Na sala aconchegante, com quadros, brasões de famílias, jornais históricos de tempos antigos e fotos de familiares, um homem conta um pouco da sua história. Seus 86 anos são só um detalhe, pois ele está maduro e renovado em seu tempo. Seu conhecimento vasto do passado só é possível porque ele conhece também o presente. Convive bem com o gravador que ali estava, com o computador, com os tantos aparelhos eletrônicos de nossa época. Mas se debruça sobre a história com sede, pesquisando minuciosamente fatos importantes em seus arquivos muito bem cuidados de jornais que registram um pouco do povo de Santo Antônio do Amparo. Este é o Sr. Pedro Alves Avelar que de sua janela avista o Santuário de Santo Antônio de Pádua, o cartão postal de sua cidade, que ele conhece como poucos.
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| Sr. Pedro preserva o passado de olho no futuro |
“Depois dos 12 anos quando estava terminando o curso primário empreguei na farmácia do Sr. Edmundo Coutinho. Trabalhei lá três anos”. Sempre calmo, procurando tirar a poeira que se acumulava sobre a tela do gravador Pedro Alves mostra que, embora trabalhasse desde cedo, sua outra grande paixão não seria deixada de lado. Trata-se da educação e do conhecimento, que é uma de suas aliadas na caminhada de vida. Constância Carvalho, a D. Tancinha, foi a primeira professora. Talvez ela não soubesse que o “Pedro Malasartes”, apelido dado pela mãe, se tornaria o homem cheio de ricas experiências com a educação pela sua vida. A D. Titina, Constantina Cardoso, a segunda professora, nutriu grande admiração por seu aluno ao qual contribui muito por sua formação. “Ela mandou que eu fosse para sua casa para reforçar os estudos e conseguir sair para estudar”.
Isso seria o impulso para sua caminhada de estudos, quando foi para Belo Horizonte estudar numa escola militar. Com 15 anos sua grande paixão se aflorou: o patriotismo. Começaram seus estudos e suas experiências militares que ele conta com saudosismo apaixonado. “Com três meses fomos fazer um desfile de 7 de Setembro no Rio de Janeiro. O Brasil estava começando a entrar na guerra e lá me distingui bem. Era porta-bandeira, fui elogiado, e tenho documentos guardados que recebi dos comandantes. Estavam lá o presidente da República e o Ministro da Guerra. Voltei no segundo ano, o Brasil já estava em guerra e eu já era militar com 17 anos. Estava entusiasmado com a carreira”. Mas Pedro viu que não tinha vocação mais tarde, assim como não tivera para ser padre, embora sua mãe quisera quando ele era criança.
Pedro Alves fala serenamente com preocupação em detalhes e nomes. Em nenhum momento olha para o relógio e também não deixa de citar as pessoas que o ajudaram e com quem realizou projetos juntos. Sua vida cheia de paixões foi marcada pelo grande amor de sua vida que surgiu quando ele voltou para Santo Antônio do Amparo definitivamente. “Eu vim embora, mas com a intenção de voltar para Belo Horizonte. Chegando aqui comecei a namorar com a Eloíza. O namoro naquela época era só em tempo de festa”. Eloíza mudaria para sempre a vida de Pedro. Se antes sua intenção era voltar, foi por ela que ele definitivamente se enraizou no solo amparense. Eloíza Borges Alves é sua esposa há 62 anos e com ele constituiu a grandiosa família de 10 filhos, 19 netos e 4 bisnetos.
Na casa que construiu ao lado do Santuário, Pedro se tornou amigo do Monsenhor José Alves Vilaça, de quem era vizinho. Próximo a ele participou intensamente da religião. “Eu participava do conselho, Irmandade do Santíssimo, Conferência Vicentina e fazia parte do movimento religioso”. Enraizado em sua terra foi também candidato a prefeito, mas não conseguiu ser eleito, embora diga com orgulho: “sem ser prefeito, eu fiz mais que o prefeito daquela época”.
Uma de suas lutas foi trazer escolas para a cidade em lutas conjuntas com Monsenhor. A atual Escola Estadual “Newton Ferreira de Paiva”, que possui esse nome por sugestão do próprio Pedro em homenagem a seu amigo, foi uma luta de longos anos. Primeiro conseguiram trazer a escola e depois lutaram para que ela se tornasse estadual. Sempre buscando recursos que mantivessem a escola muita dedicação sempre foi vista. “Na minha casa eu abriguei muitos professores, pois não tínhamos professores habilitados no início. Depois nossos professores começaram a fazer seus estudos em Três Corações para conseguir o diploma do Ministério da Educação. Até mesmo o Monsenhor, que tinha muita instrução, fez o estudo para se tornar professor licenciado”.
“Para se ajudar não precisa ter cargo”. É com essa certeza que Pedro, sem jamais ter ocupado um cargo político, mostra o que é, para ele, a verdadeira política. “O principal é a educação do povo que está muito errada. Eu disputei política e perdi, mas pude fazer muita coisa pela cidade sem estar na chefia. Quem era amigo continuava e não ficava inimigo como está a política de hoje. Como católico e cristão que sou penso que não podemos nos desfazer do outro. Isso é anti-ético e anti-cristão. Não se pode denegrir o outro. Isso precisa acabar. Isso é o que mais me faz ficar afastado de ser membro político”.. Mais a vontade do que nunca, Pedro segura o gravador em suas mãos, agora sem se preocupar nem um pouco com ele e fazendo questão de que suas palavras sejam registradas. “Procure fazer uma coisa pela sua cidade, seu município, sem ser partidário. A política é uma arma de fazer inimigos e não de fazer amigos”.
No belíssimo Santuário de Santo Antônio de Pádua, que Pedro viu ser erguido no lugar da capela que o antecedeu, suas lutas não foram menores. Ele conta que o relógio no alto da torre foi uma ideia sua, com um orgulho cristão de quem sabe o valor desse bem. Os vitrais coloridos foram outra luta participada por ele que pedia as doações para quem tinha dinheiro na época. “Eu não tinha condições de doar, mas fiz muita gente doar”. O Santuário, recentemente reformado, recebe elogios de quem o viu de perto ser construído nesses mais de 70 anos que ele existe. “Somente depois dessa última reforma é que pode se dizer que ele está terminado”. Antes de o Santuário ser erguido Pedro fora batizado, crismado e fizera a primeira comunhão na antiga capela de Santo Antônio. Entre religião e política a conversa se encaminhava para um fim.
“Hoje eu já estou com 86 anos, na casa dos 90, que pouca gente chega lá. Graças a Deus com saúde e memória boa, mas consciente de que estou no final. Estou descendo os degraus. Como cristão, como católico, acredito na ressurreição. Sei que o ser não morre, falece. A matéria vai, mas a gente continua vivo em outra dimensão. Esse é um mistério, não quero me aprofundar nisso. Não tenho condição, nem tempo, nem idade. Pode o Papa, os bispos e os padres errarem. Eu tenho minha fé, minha convicção e vou até o fim”. A hora do almoço estava chegando e alguns filhos já o haviam chamado para almoçar. Pedro tinha fome de falar, afinal é muita coisa que ele sabe e precisa expor. Aproveitei e agendei nova entrevista. Precisamos conversar sobre a história do município que ele abriga com vários documentos e datas que a gente sem perceber acabou falando durante alguns minutos ainda. Mas para aquele dia já estava bom. Guardei o gravador e recusei o convite para o almoço, precisava ir.
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| Pedro Alves e Eloísa: mais de 60 anos de união (Arquivo Pessoal) |
Vinícius Borges Gomes


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